Telefone. Sem o aval do Imperador D.Pedro II, tudo teria sido diferente.

EM 21 set, 2016

Você sabia que, na aparição do invento “Telefone”, um brasileiro fez toda a diferença?

D.Pedro II, Imperador brasileiro, apaixonado por invenções (e viagens!) fez parte do júri no Concurso de Inventos, na feira internacional da Filadélfia, nos E.U.A., em Junho de 1876, em comemoração ao centenário da independência norte-americana. Quando os jurados estavam se recolhendo para o descanso, no final de mais um dia de concurso, D.Pedro II lembrou-se de um certo professor de nome Alexander Graham Bell (1847-1922), que conhecera dias antes, e com isso, “salvou” o invento. Levou os jurados, testou o aparelho e, oficialmente, o telefone tornou-se público, conhecido.

LOHN ESQUADRIAS, reproduz abaixo um relato fantástico dessa história.

-na íntegra do site http://www.revistadehistoria.com.br/

Lá estava o imperador

D. Pedro II foi retirado de filme sobre Graham Bell e virou personagem de memória inventada por Roosevelt

Marcelo de Araujo

  • Entre a invenção do telefone e o cinema hollywoodiano, D. Pedro II (1825-1891) deixou de ser um personagem real para tornar-se uma referência imaginária. Ao menos no discurso de duas importantes figuras norte-americanas. Tanto o inventor Alexander Graham Bell (1847-1922) quanto o ex-presidente Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) declararam ter se encontrado com D. Pedro II em momentos cruciais de suas vidas. Um deles contou a verdade, o outro provavelmente mentiu.

    O discurso de Bell foi proferido em Boston, em 2 de novembro de 1911. O inventor relembra os primórdios da telefonia e se concentra nos acontecimentos de 1876. Foi este o ano em que Bell patenteou o telefone e revelou ao mundo sua invenção. Segundo Bell, foi nesse ano também que Dom Pedro II “salvou” o telefone.

    Em junho de 1876, os Estados Unidos comemoraram o centenário da independência com uma grandiosa feira internacional na Filadélfia: a “Exposição Centenária”. D. Pedro II e Ulysses Grant, então presidente dos Estados Unidos, abriram oficialmente o evento, que exibia avanços tecnológicos da era industrial. Diversos instrumentos e aparelhos competiam entre si em diferentes categorias. Entre eles, o telefone.

    Aquele foi um mês especialmente quente na Filadélfia. Em 25 de junho, após um dia extenuante, o júri encarregado de inspecionar os instrumentos elétricos em exibição decidiu suspender os trabalhos, para desespero de Bell: era justamente o momento em que o telefone, até então inteiramente desconhecido, seria examinado por D. Pedro II, pelo físico e engenheiro britânico William Thompson (futuro Lord Kelvin) e por outros cientistas. Devido a outros compromissos em Boston, onde lecionava em uma escola para surdos, Bell não poderia permanecer até o dia seguinte. Sem as suas próprias explicações, o mais provável é que o telefone tivesse passado despercebido perante o júri. O imperador, no entanto, já havia encontrado Bell alguns dias antes, pois desejava conhecer a escola para alunos surdos-mudos de que ouvira falar. Ao perceber que se tratava de um conhecido, Dom Pedro II decidiu que, cansados ou não, os membros do júri inspecionariam mais aquele item da exibição. Os outros não tiveram escolha a não ser acatar o desejo do monarca: “Onde um imperador liderava à frente, os outros juízes seguiam”, recordaria Bell com humor em 1911.

    No discurso, Bell se refere ao encontro com D. Pedro II como um “evento notável”. Em uma carta a seus pais, datada em 27 de junho de 1876, ele relata com entusiasmo o “glorioso sucesso” de sua invenção. A sequência desse episódio é bem conhecida: o telefone foi aclamado pelo júri e a carreira de Graham Bell, alavancada.

    Dois anos depois, o americano fez uma demonstração do invento para a rainha Vitória, na Inglaterra. Foi o suficiente para que Hollywood, no século seguinte, decidisse incluí-la em um filme sobre Graham Bell, deixando de fora o imperador. Com direção de Irving Cummings, AHistória de Alexander Graham Bell foilançado em 1939 pelo estúdio de cinema Twentieth Century-Fox. O filme desagradou profundamente a filha do inventor, Elsie Bell Grosvenor. Em 6 de janeiro do mesmo ano, ela escreveu uma carta para o roteirista, Lamar Trotti, queixando-se: “Eu ainda não posso deixar de sentir que o senhor esteja cometendo um erro ao omitir a cena na Exposição Centenária na Filadélfia”.

    Como a rainha Vitória era mais conhecida do público americano do que D. Pedro II, a produção do filme decidiu omitir a participação de Bell na Exposição. Havia o receio de que a figura do monarca brasileiro acabasse desempenhando o “papel dominante”. Isso ofuscaria a figura da rainha Vitória, interpretada no filme pela atriz Beryl Mercer. O período que transcorre de maio até outubro de 1876, decisivo para a carreira de Bell, é apresentado no filme apenas por uma sucessão de imagens das folhas de um calendário. O “glorioso sucesso” naquele “evento notável” é inteiramente omitido.

    O roteiro original do filme passara por sucessivos “tratamentos”. Em algumas versões preliminares, as anotações feitas por Darryl Zanuck, produtor do filme, ainda podem ser lidas. Incomodava-o a falta de dramatização, pois o roteiro parecia dar mais atenção ao telefone do que à vida de seu criador. Faltava, segundo ele, “história humana”. Em outra anotação, Zanuck registra sua indecisão: “Cortar Exposição; cortar Inglaterra?”. No “tratamento” subsequente ele é menos reticente: “Devemos ter o episódio na Inglaterra OU na Exposição, mas não ambos”. Poucas linhas depois, pondera: “A Inglaterra adorará essa parte, com a invenção tendo sido aplaudida pela primeira vez pela rainha Vitória”.A cena com Dom Pedro II, assim, acabou sendo eliminada do
    filme.

    Na carta ao roteirista, Elsie Bell contrasta a frieza com a qual seu pai foi recebido durante a demonstração do telefone para a rainha da Inglaterra, em 1878, com a informalidade que marcou o encontro com o imperador brasileiro, dois anos antes: “Não me parece nem um pouco que essa cena obscureça a cena em que aparece a rainha Vitória, pois o senhor pode amenizar a cena da realeza referente ao interesse de D. Pedro II pelo telefone. D. Pedro II era um senhor muito democrático. O contraste entre sua democracia e a formalidade da corte britânica faria, acredito, uma bela sequência. D. Pedro II ia a toda parte por conta própria, ao passo que a rainha Vitória nem sequer fez uma única pergunta ao meu pai diretamente, mas falou com ele através de seu filho, sua filha, ou seu secretário. Tão formal foi a audiência”.

    A “audiência” de Bell com a rainha Vitória foi envolta, de fato, em muita formalidade. Em um dado momento, ele inadvertidamente tocou a mão da rainha ao lhe passar o aparelho. O gesto deixou os presentes “horrorizados”, pois segundo o protocolo da corte ninguém podia tocar a soberana. Este episódio também foi omitido no filme sobre sua vida. Diferentemente da soberana britânica, o monarca brasileiro ficou tão entusiasmado com a demonstração do telefone que, segundo Bell, teria gritado “Meu Deus! Isso fala!”, e acorrido “a passos bem pouco imperiais” à sala onde o inventor havia feito a transmissão, a cerca de 100 metros de distância.

    Curiosamente, a decisão de cortar a figura de D. Pedro II em um filme de Hollywood se deu no momento em que o governo americano buscava estreitar laços com o Brasil. Em 1936, o presidente americano Franklin Roosevelt esteve no Rio de Janeiro com o objetivo de granjear apoio brasileiro às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Logo no início de seu discurso, proferido em um banquete oferecido por Getulio Vargas, Roosevelt cativou o público ao aludir a um episódio de sua infância: o encontro com D. Pedro II, na França. “Há mais ou menos meio século, um menininho caminhava com seu pai e sua mãe em um parque em uma cidade no sul da França. Veio em direção a eles um casal de idosos de aparência bastante distinta – D. Pedro II e a sua imperatriz. Naquela ocasião foi meu primeiro encontro com o Brasil”, contou o presidente americano.

    Ocorre, porém, que Roosevelt nunca mencionou esse episódio em nenhum outro documento. Além disso, não há qualquer referência ao encontro em diários, cartas ou depoimentos de pessoas que lhe foram próximas. O mais provável é que a suposta lembrança tenha sido uma obra de ficção criada pela diplomacia americana. O discurso de Roosevelt funcionava como o roteiro de filme. Cena de abertura: Menino com roupa de época contempla nobre casal de idosos na idílica paisagem de um vilarejo desconhecido. Corta. Como no filme sobre Bell, folhas de um calendário poderiam simbolizar o transcurso do tempo. Corta. O menino torna-se um adulto importante, e o vilarejo povoado por nobres é agora uma vasta república. O reencontro do herói com o seu passado dá sentido à narrativa e captura a atenção do espectador.

    Vargas gostou tanto da narrativa de Roosevelt que registrou mais tarde em seu diário: “O homem (…) é de uma simpatia irradiante”. A comparação do discurso de 1936 com um roteiro de filme não é apenas metafórica. Roosevelt e Hollywood trabalharam juntos para mobilizar a indústria cinematográfica americana em prol do esforço de guerra. O próprio Zanuck, produtor do filme sobre Graham Bell, envolveu-se em diversas produções deste tipo.

    Como um filme de sucesso, o encontro ficcional de Roosevelt com D. Pedro II tornou-se bem conhecido, e ainda hoje é mencionado em livros. A curiosa experiência real do imperador junto ao inventor do telefone, por sua vez, jamais foi às telas. Esse é o filme que não vimos.

     

    Marcelo de Araujo é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de Dom Pedro II e a Moda Masculina na Época Vitoriana(Estação das Letras, 2012).

     

     

    “A exibição do telefone foi salva”

     

    (…)E esse era o modo como estavam as coisas, quando de repente ocorreu de haver um homem entre os membros do júri que me conhecia de vista. Tratava-se de ninguém menos do que Sua Majestade Dom Pedro II, Imperador do Brasil. Eu tinha mostrado a ele o que andávamos fazendo ensinando linguagem oral para os surdos de Boston, eu o tinha levado até a escola para surdos da cidade, e mostrado para ele a forma para o ensino da linguagem oral e, quando ele me viu por lá, lembrou-se de mim, e se aproximou apertando-me a mão, e disse: “Sr. Bell, como estão os surdos-mudos de Boston?”. Eu disse que eles estavam muito bem e expliquei que o próximo item em exibição no programa era o meu. “Vamos lá”, ele disse, e me tomou pelo braço levando-me dali e, obviamente, onde o Imperador liderava à frente, os outros membros do júri seguiam [risos]. E a exibição do telefone foi salva. Bem, eu não posso falar muito sobre aquele item em exibição, muito embora tenha sido o ponto crucial em que se encontrava o telefone naqueles dias. Se eu não tivesse tido a oportunidade da exibição lá, seria bastante incerta a condição do telefone hoje. Mas o Imperador do Brasil foi o primeiro a proporcionar aquela situação à época.

     

    (Trecho do discurso de Alexander Graham Bell, em 2 de novembro de 1911, em Boston)

     

    Saiba Mais

     

    BARMAN, Roderick. Imperador cidadão. São Paulo: Unesp, 2012 (publicado em inglês em1999).

     

    SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador D. Pedro II: Um Monarca nos Trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

 

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